Conto primeiro da Maraláxia

Foi assim munida de coragem, se é que receio pode ser assim chamado, que eu coloquei óculos na extremidade do nariz, cuja característica pode ser atributo de beleza ou feiúra, sensualidade ou autoridade, para dar um ar de seriedade a minha face. Os olhos arregalados sobressaiam superiormente, de forma desconfiada. Atenta, eu ouvia.
Falava com a maior tranquilidade a que serviço se prestava.
Tentei manter a naturalidade.
Mas, meu jeito preconceituoso, fora de moda, que seja! Não conseguia esconder a minha incredulidade.
Mas, mesmo assim, eu escutava. Pasma!
Afinal, era uma pessoa amiga!
O nariz, coitado, cuja situação fisiológica, além de segurar os óculos, se presta a respiração, mal respirava.
O olfato cheirava coisas desagradáveis pela frente.
Mas, vamos lá, eu pensava, coragem!
E, foi assim que, eu ouvi o que não queria.
As pessoas por mais que pareçam ser como nós as imaginamos, dificilmente são.
Pessoas agem por instintos, a maioria das vezes.
Embora, nada mude quando desenvolvemos afeto.
Engoli seco, tentei alcançar-lhe as mãos e manifestar um gesto de ternura ou mesmo dizer que compreendia.
Mas, naquele momento, eu apenas escutava com a seriedade dos profetas.
Vasculhei rapidamente, em vão, algo no novo ou mesmo no velho testamento. Mas, não me ocorria nada naquele bendito ou maldito momento. As palavras fugiam, pensei sumir, mas ouvi até o final, era preciso!
O novo testamento, isso! Eu já li algo, lá, sobre os falsos profetas. E, assim, me ocorreu ou socorreu Matheus , não sei:
Mt 7.15 - Apresentam-se disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. É possível distingui-los pelos seus frutos.
Assim está escrito no novo testamento!
Fiquei assustada e disfarcei.
Aqueles eram os frutos!
Ouvi e me calei.
Tentei procurar respostas, afinal era uma pessoa amiga, havia confiado em mim.
As respostas foram ficando distantes.
Pensei :
Quem sabe, talvez, e se eu tirasse os óculos?
E, sem óculos, talvez eu pudesse enxergar com maior clareza.
Podia ser... Tirei- os!
Meu nariz, então livre, continuou a farejar respostas.